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terça-feira, 29 de setembro de 2009




ESPARTILHO

tudo
tão em vão
como se fosse um vulcão

tudo tá
sem ser são

tudo vai indo
quase findo
assim
feito um tufão

tudo assim
como um bufão
que fala
das sobras de um sermão

que rasga, grasna e pasta

assim tá
tudo uma vazão

qual um
passado perfeito
um sossego, peito
daquela embarcação

tá tudo assim
um varejão

que leva imbora
as cordas de um espaço
o canto dos pássaros
as frestas de um curativo
e o espartilho de um perdão.

Cgurgel



LUZIR

paira sobre mim
a superficialidade das coisas
como o suspiro de um sonho
que suporta o peso
dos meus medos

lenta agonia
de um barco
que trafega no rio
coberto de mergulhos
e hiatos

e o que sobra da correnteza
simplesmente é a luz
que da lua vaga
sobre a água sem fim.

Cgurgel

segunda-feira, 28 de setembro de 2009




ATOS DOS OUTROS

até quando
a soberba
implodirá casarões recheados
de pílulas e válvulas cibernéticas?

até quando
saberei rezar
e pedir clemência
pelos atos dos outros?

até quando
a barbárie
devassará quarteirões
e dicionários mortos?

até quando
os filisteus
de uma hóstia sem fim
abrigarão nos seus colders
a fé
que o resto do mundo procura?

Cgurgel
ESPERANZA SPALDING - " I Know You Know "




MILONGA

a valsa
que da rua
se veste

é como uma peste
que de tão tranquila
não serve

é como um sinal
que da esquina
é leste

e que esquece
uma prece
e tudo que a vida tece.

Cgurgel

sexta-feira, 25 de setembro de 2009




SANIDADE

o luar
no lago
de uma cidadezinha

parece
com a esperança
que guardo
de ti.

Cgurgel



SÍNDROME

aliene
aqui
bem perto de mim

vem
que a chuva
guardiã de fenômenos
e fissuras

abocanha
o que da hora
não se foi.

Cgurgel

domingo, 20 de setembro de 2009




EMBOCADURA

já hoje
eu nem fui
porque eu soube
que o tempo
já não se lembra
de me lembrar fotos e
arrecifes

procuro
pelo lento e melindroso
bosque
que esconde cordas e cobras

já ontem
eu nem fui
fiquei feliz
quando me disseram
que tudo não passou
de uma inefável
guerra

baliza
que meus olhos
vão e vêem

tudo mesmo
como o olho de um segredo
que das sombras e janelas
reparte rios e desmaios.

Cgurgel

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

"ZABRISKIE POINT"  -  Exploding Stuff 

quarta-feira, 16 de setembro de 2009



DESCOMUNAL

o trilho
que tão estrago
estranho ficou

entre sombras de árvores
e os fantasmas de outrora

tipo
uma labareda infame
que destrói pescoços e brinquedos

o trilho
parece mais
um pandemônio

também pudera
a sua força
é descomunal
e bacana

por isso
que digo
o mundo sem brilho
é como uma vida
sem trilho.

Cgurgel


ADÁGIO

permita-me ao Deus da porta
flanar marchinhas

e como flor
que comove moinhos

eu vou
por entre a Corte
de uma camisa listrada

e ao baião
que floresce estalos
para o meu coração.

Cgurgel

terça-feira, 15 de setembro de 2009



ANTI-HERÓI

meta-me
língua à dentro
como quem corroi girrasóis e gravatas

funda-me
com despejos e abóboras
como pasto no jardim do ontem

fecha-me
por entre suas portas e arrebóis
como o olhar de um passo morto

encubra-me
com seus licores e perfumes
como quem vai a esquina e se perde

curva-me
como um anzol
enferrujado de línguas e bombas

e trate-me
como um passado
ao redor dos seus cães e flores.

Cgurgel
CID CAMPOS -  "Sem Saida"  ( Augusto de Campos )

domingo, 13 de setembro de 2009



LUNÁ(U)TICO

bailo
o tempo todo
sílabas que me comovem

entro
sempre que posso
na fila
de um parágrafo que boia

findo como
quem se estica
como quem estivesse
escrevendo p'ro vazio

e me
vejo
vagarosamente
acertando acentos
de uma eterna magia.

Cgurgel


NEÓFITO

descendo
de pirâmides
que me furtam mãos,
penhascos e ruídos

sou
uma máscara
que ao sol se por
chicoteia bandidos,
alaúdes e penitências

me lanço
propositadamente
no voador tapete
que rouba sonhos e selvas

busco
como quem vive no mar
o espelho
que da minha sombra
fragmenta espaços
e sondas

e
vivo
o tempo todo
exatamente igual
ao mais improvável ser
desse tempo
contemporâneo ácido
e fugidio.

Cgurgel


VEREDA DA PELE

acorda-me dolente
assim como quem vai a lua
e nem sente

como quem
deflora a pele
de uma lente

ou como a manhã
que de tão calma
não percebe a multidão,
a gente

acorda-me tão crente
e tão lentamente
que me faça dormir novamente

acorda-me
assim tão quente
por entre a manhã
e seus dentes

por entre suas noites
e tudo que sentes

acorda-me
e deixa-me dormir
novamente
por entre seu dorso
e perdição.

Cgurgel

quarta-feira, 9 de setembro de 2009



INSÍGNIA

mesmo como a lã
que tece moinhos

ao sabor da névoa
que vive sozinha

e do leve lençol
qual rubra e dúctil linha

o sol brilhará
superior a abas lacradas
e ao infortúnio de mãos fechadas.

Cgurgel

terça-feira, 8 de setembro de 2009

CIBELLE - "Punk da Periferia"



O DOM DA DOR

vai
entra no teu mundo
e sonha

com o mar
com as estrelas
com o universo

desvenda
teus mistérios
e vive

revira
teus vales
e voa

como
um pássaro
louco e único

pronto para enfrentar
noites e trovões

anjo
tão preciso
do seu canto e chão.

Cgurgel


SATÃ

sábado
cobrirei minh'alma
com o fogo que escorre
pelas ruas malditas


no fundo do poço
sinto o cheiro podre
da raça humana

e o mundo
tão sórdido e cruel
abocanha o suor da boca de quem dorme.

Cgurgel


LÍQUIDO LEITO

a clonagem
que dos meus sentimentos
foram fartos

servem de moldura
para meus olhos
viveiros de uma réstia sem fim.

Cgurgel


TERMÔMETRO

somos cúmplices do ócio
de tudo que da boca sai

somos cúmplices do vício
de tudo que do mundo cai

somos cúmplices do nada
de tudo que do tempo vai.

Cgurgel


ELEMENTAIS

são tantos fósforos
riscados pela casa

que me alucina
o quintal repleto de velas.

Cgurgel

domingo, 6 de setembro de 2009

NÁ OZZETTI - " Tic Tac Do Meu Coração "



ARANHAS

as aranhas
parecem fios estranhos
como uma fécula
que se enrodilha
de despedidas e escarros

as aranhas
são tão amigas
dos outros
que chegam a comover
o mais lacaio dos humanos

veja:
ela imóvel está
como uma lamparina ao luar

e as aranhas
parecem não ter sexo
elas se reproduzem
simplesmente
por sentirem necessidade
de se amontoarem ao
redor de mentiras
e do cheiro do chão

as aranhas
sao tão estranhas
parecem mais
como uma quantidade enorme
de sonhos
e matinês olímpicas

as aranhas
não mentem jamais
elas só se recusam
ao silêncio

e o mundo
fétido e porco
já não sabe o que fazer
com tamanho tirocínio

ele
o mundo
amanhã certamente
amanhecerá mudado
e descrente das suas amarras

e as aranhas
transitando pelos seus
territórios absurdos e obscuros

saberão
o que fazer
do seu próprio destino.

Cgurgel


LEVITA

outrora
éramos todos
tão bestiais e ciumentos

como uma árvore
que namora o lugar
e não parte

ou como um dilúvio
de leitos
que de tão dessarrumados
mal parecem com
o tempo onde vivemos

reza a lenda
(oh, palavrinha besta)
onde quase tudo que deixamos no passado
soa como um zumbido
estranho e alucinador

acho que viemos do nada
assim como quem
nunca pensou em viver

porque
convenhamos
hoje a vida não passa
de uma infinidade
de repetições estéticas

tudo que vemos
achamos tudo igual
tudo assim como uma
ressonância métrica

quem hoje nasce
tem um risco enorme
de não saber como ser
repetitivo e inábil

esse tempo está louco mesmo
nem sei mais o que dizer
nem sei se resta o final
só um abalroamento de
tudo por onde nossos olhos passaram

tudo está desmiolado
e demiurgo
como uma praça
rodeada de ciprestes
e glossários negros

um dia
jamais voltarei
ficarei em círculos
pelas sombras do tempo
que já nem sei quem sou.

Cgurgel

sábado, 5 de setembro de 2009



INEVITÁVEL LOUNGE



da paz
que se perdeu
entre
os meus braços
e os teus.

Cgurgel

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

TULIPA RUIZ -  "Cada Voz"



SEIS DEGRÁUS PARA A MORTE

hoje a noite
vou sair
procurar pela rua e por mim

assim
como um arrepio que dá na alma
tão pequena e forte

e como a anunciar uma canção
meus dentes flamejam fogo
ao redor do vapor que as pessoas respiram

como uma antena do vôo
na fumaça do medo do ar

e do que eu já não encontro
no pedaço da rua que não presta

ao nascer de morcegos
e do balanço das horas
entre a armadilha de viver
e o espanto de partir.

Cgurgel


SOLITUDE

só o caminho do sol
ilumina os meus olhos
aprisionados de tanta paciência e ardor

só o percurso das pedras ao relento
me faz sentir intensamente
ao redor do tempo que me chama

só o raio que da terra partiu
acorda meus braços
tão febris e rodeados de nóis

só o vento que da lua surgiu
me faz testemunha do silêncio
que do teu refúgio partiu

só a brisa
que o rumor febrilmente busca
acalma a noite pagã e ágil

só o eco
que dos teus passos ressoa
molha meus lábios
tão fatigados da tua ausência.

Cgurgel



EXCURSÃO

sou simplesmente osso
poço profundo de olhos

môlho de vísceras
que de tão alvéolos
se queixam de mim
e do mundo

sou simplesmente toque
momentos de frágil respiração
e da ventania que encobre os meus dias.

Cgurgel

quinta-feira, 3 de setembro de 2009



DESAVERGONHADA PRECE

deserdado alcorão do meu sertão
que aqui
a ti
defloro

que da serra que sorve sangue
e acolhe pessimistas mentais
e lendas mundanas

como um néctar
de aragem falsa

entrecortas com teu jibão
a dor que importas do corpo
que da terra aquece

como um moinho
que inflama uivos, lamentos, medos

entre o cão
que da passagem expulsa
a feira de uma paisagem sem flores

encaixotando com seu tilintar
de lares vesgos e rotos
a volúpia de um legado
de feses e liliputianos espermas

e que do cogumelo
que o planeta acusa
sejamos todos
apadrinhados da idiotice que nos cerca.

Cgurgel
TOM WAITS - "Chocolate Jesus"



LEI DA RUA

sou fuga
abismo de rinhas
e esquecido sonho

vou
como quem reflete
bêbados e selvas

ergo
o arco que dilacera
morros e vestes

e
espelho  retorcido
recolho grama
e fumo.

Cgurgel

quarta-feira, 2 de setembro de 2009



UMA CIDADE

uma cidade
se faz
de pássaros e pêssegos

uma cidade
se faz
de ausências e transeuntes

uma cidade
se faz
de clarões e quadrilhas

uma cidade
se faz
de cimento e ciúmes

uma cidade
se faz
de lembranças e seus vales.

Cgurgel